Fonte:
Valor Econômico
Por:
George Mendonça de Lucena
O amadurecimento experimentado pelo ambiente de
negócios brasileiro nos últimos anos exige o ordenamento jurídico nacional o
aprimoramento contínuo de instrumentos que garantam de forma eficaz a lisura
das atividades empresariais e o desenvolvimento de um mercado cada vez mais
inovador e criativo.
Em paralelo ao processo de abertura econômica e ao
aumento exponencial da competitividade, assiste-se home à disseminação de
práticas empresariais que tentam a busca de lucro pela via torta do engano de
consumidores ou do próprio mercado. São os atos denominados de concorrência
desleal, de que são exemplos a espionagem industrial e a publicidade enganosa.
Embora aparentemente adstritos à esfera privada, tais atos são dotados de alto
potencial ofensivo e capaz de lesar uma pluralidade de sujeitos e bens
jurídicos coletivos.
Os atos de concorrência desleal encontram-se
atualmente tipificados no artigo 195 da Lei da Propriedade Industrial (Lei nº
9.279, de 1996). Embora haja previsão legal de pena de detenção para aqueles
que praticam o crime, a realidade é que dificilmente um processo criminal que
apure conduta anticoncorrencial culmina em uma condenação. Decorres de nosso
sistema penal que a vítima de concorrência desleal necessita ela própria
apurar, dentro da estrutura organizacional da empresa que praticou o crime,
quem é o verdadeiro responsável pela conduta ilícita, uma vez que somente as
pessoas físicas podem ser processadas e punidas na esfera criminal.
A inexistência de meios e recursos para se chegar
de forma eficaz à identificação do real responsável gera como resultado o
número bastante reduzido de sentenças condenatórias, o que aponta para a
ineficácia do modelo e, conseqüentemente para a impunidade desse tipo de
delito.
O anteprojeto foi
econômico na descrição dos atos de concorrência desleal.
Por tudo isso, é de se louvar a inovação proposta
pelo anteprojeto de Código Penal, elaborado por uma Comissão Especial de
Juristas presidida pelo Ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça,
e recentemente apresentado ao Senado Federa. O anteprojeto prevê, dentre
diversas mudanças, a possibilidade de se responsabilizar penalmente as pessoas
jurídicas por crimes praticados contra a administração pública, o sistema
financeiro e a ordem econômica, independentemente da responsabilidade penal de
uma sociedade empresária é restrita à decorrente da prática de crimes
ambientais.
Para admitir a possibilidade de penalização da
pessoa jurídica, o anteprojeto exige que o crime tenha sido praticado em
conseqüência de decisão do representante da empresa ou de seu órgão colegiado,
bem como no interesse ou beneficio da sociedade. Dentre as penas previstas,
incluem-se a multa, a suspensão das atividades da empresa, a prestação de
serviços à comunidade e a proibição de contratação com o poder público.
Entretanto, a despeito de toda a novidade e boa
técnica do anteprojeto, alguns reparos ainda são necessários na disciplina dos
delitos da concorrência desleal. Se, de um lado, tem-se que o texto prevê o
aumento das penas de prisão previstas para esses crimes, que passam a ser de
seis meses a dois anos. De outro, percebe-se que as penas são ainda inferiores
às previstas para os demais crimes contra a propriedade imaterial. Ao crime de
violação do direito de marca, por exemplo, é prevista a pena máxima de prisão
de quatro anos. Embora evidentemente a prisão não seja à pessoa jurídica, o
montante de pena é importante para diversos institutos do direito penal, como o
cálculo da prescrição e das penas restritivas de direitos.
Além disso, devemos mencionar que o anteprojeto foi
demasiado econômico na descrição dos atos de concorrência desleal. Se a atual
Lei da Propriedade Industrial dedica 14 incisos de seu artigo 195 à tipificação
de condutas anticoncorrenciais, o anteprojeto do Código Penal descreve apenas
cinco daquelas condutas, deixando inexplicavelmente de fora, por exemplo, o
desvio ilícito de clientela.
Por fim, o anteprojeto deixou de especificar quais
os crimes em que a responsabilidade penal da pessoa jurídica será admitida. Ao
se referir genericamente a atos praticados contra a administração pública, a
ordem econômica, o sistema financeiro e o meio ambiente, o texto confere
excessiva discricionariedade ao interprete da futura norma, o que pode vir a se
tornar um empecilho à aplicação com eficácia das disposições do novo modelo
criminal.
Críticas a parte, certo é que as alterações
propostas pelo anteprojeto de reforma podem representar importante avanço na
repressão de atos anticoncorrenciais. Alem disso, consolidam e difundem junto
ao empresariado a visão de que também as empresas são responsáveis pelo
saneamento da economia e pela proteção da economia popular e do meio ambiente.
Supera-se, assim, o modelo de direito penal liberal-individualista, em direção
à construção de um sistema que dedica especial proteção aos direitos difusos e
coletivos.
O texto do novo Código Penal tramitará no Senado
Federal sob o nº PLS 236, de 2012. Antes de ser votado pelo plenário, o projeto
de lei, de relatoria do Senador Pedro Taques (PDT-MT), será ainda discutido e
analisado por uma comissão especial composta por 11 senadores e presidida pelo
Senador Eunício Oliveira (PMDB-CE).
George Mendonça de
Lucena é sócio do escritório Daniel Advogados.
Este artigo reflete
as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se
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