O
diretor-geral da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi), o
australiano Francis Gurry, veio ao Brasil para uma conferência sobre esporte no
Rio e uma visita oficial a Brasília na última semana. Sua presença coincidiu
com o anúncio pelo governo de uma contribuição de US$ 1 milhão à Ompi, órgão da
ONU, e do estabelecimento de um centro de mediação conjunto.
Gurry, que foi eleito em 2008
com apenas um voto a mais que o candidato brasileiro, José Graça Aranha, saúda
a crescente colaboração do país na Ompi e anota uma mudança de atitude, de três
anos para cá, com maior aceitação da propriedade intelectual pelo governo.
Mas o Brasil
vai mal nos rankings de inovação e patentes da organização, e Gurry alerta que
"a inovação é, cada vez mais, o campo de batalha" global. Cita a
disputa entre a americana Apple e a sul-coreana Samsung.
"É
indicação do que vem por aí, ou seja, que cada vez mais a competição será
baseada em inovação." Gurry diz que o Brasil será uma potência em
inovação, mas "no futuro".
Folha - Sua eleição para a Ompi em 2008, apoiado
pelos EUA, foi uma derrota para o Brasil. Os laços foram restaurados? Como é o
diálogo hoje?
Francis Gurry - Veja,
eu só tenho elogios para o engajamento do Brasil na organização. Tem sido um
parceiro construtivo, vigorosamente engajado em todos os aspectos, nas
atividades de normatização, na Agenda de Desenvolvimento e como doador. Sim,
nós tivemos uma disputa apertada em 2008, mas isso ficou para trás e agora
avançamos para uma relação muito cooperativa.
O Brasil vai direcionar US$ 1 milhão a um fundo,
administrado pela Ompi, para ajudar países na adoção de regras de propriedade
intelectual. Esse financiamento indica uma atitude diferente do Brasil em
relação à propriedade intelectual?
Antes de
mais nada, me permita agradecer a generosidade do governo brasileiro. Esse
fundo é importante porque foca a cooperação Sul-Sul, busca maneiras de
melhorá-la, especialmente entre os emergentes. É um fundo muito efetivo, que
permite à Ompi buscar erguer relações comerciais entre os países do Sul.
O fundo é direcionado, sobretudo à África?
Sobretudo à
África e aos países lusófonos. Antecipa um engajamento importante do Brasil na
África. O Brasil também vai adotar, junto com a Ompi, um centro de mediação
para conflitos de propriedade intelectual. A mediação é um meio muito útil de
solução de conflitos, pode ser muito rápida, é acessível às pessoas, não exige
processos de alto custo. As disputas entre brasileiros serão tratadas
exclusivamente pelo Brasil. Entre brasileiros e estrangeiros, serão tratados
por nós.
Como está a Agenda de Desenvolvimento, que foi
proposta pelo Brasil?
Eu diria que
tem sido muito bem-sucedida. As 45 recomendações que constituem a agenda foram
adotadas pelos Estados-membros em 2008 e, desde então, temos implementado, de
várias formas. Foram aprovados 19 projetos para executar as recomendações. Estamos
adotando o tema do desenvolvimento por toda a organização, fazendo com que
todos os setores levem desenvolvimento em conta. Fechamos este ano um novo
tratado em Pequim, para proteger os direitos de performances audiovisuais, que
remete à Agenda de Desenvolvimento.
Em agosto, 40 países se reuniram em Brasília para
tratar da proteção do uso comercial de sabedoria ancestral, como se diz. Quais
são os resultados práticos dessas discussões?
É parte do
nosso programa para desenvolver um instrumento de proteção efetiva de
conhecimento tradicional, de expressão cultural tradicional ou folclore. É uma
discussão que acontece há 12 anos, e acreditamos que é excepcionalmente
importante, porque é uma questão simbólica, icônica. Está levando o sistema de
propriedade intelectual a tratar de uma base de conhecimento que não é só européia
ou ocidental, mas universal. E nos dá a oportunidade de democratizar a proteção
da propriedade intelectual. Os curadores do conhecimento tradicional, que tem
grande relação com recursos genéticos, poderão saber que ele não será usado de
maneira não autorizada, por terceiros.
Mas há perspectiva de resultado prático?
Sim. Estamos
negociando um instrumento que proporcionaria proteção contra a exploração não
autorizada. Portanto, sim, eu acredito que há perspectiva de estabelecer normas
legais de nível internacional.
O Brasil perdeu nove posições no Índice Global de
Inovação e está agora em 58º lugar, enquanto China, Índia e outros emergentes
subiram no ranking. O que a experiência deles pode ensinar ao Brasil?
Inovação é à base do êxito econômico. O objetivo do índice é mostrar as
melhores práticas, as referências, e tornar possível aos países uma visão de
como estão se saindo. As políticas do Brasil na área de inovação estão se
tornando mais fortes. A perda de posição é temporária, porque a força da
economia e o investimento que está sendo feito em ciência, tecnologia e
educação apontam para sucesso no futuro. Ao apresentar o relatório de patentes
internacionais do ano passado, o senhor falou, comentando a posição do Brasil
naquele ranking, que o crescimento tecnológico é um processo longo.
E eu enfatizaria que é um ambiente muito competitivo. A inovação é, cada vez
mais, o terreno da concorrência. É o campo de batalha. É o que estamos vendo
neste momento, com as guerras de patentes nos aparelhos móveis. Essas batalhas
que estão acontecendo entre Apple e Samsung, Apple e Google, entre outras
partes dessa indústria. É indicação do que vem por aí, ou seja, que cada vez
mais a competição será baseada em inovação.
E como o Brasil está se saindo?
Bem, eu não
sou a melhor pessoa para avaliar o Brasil. Exceto para dizer que é uma economia
extraordinariamente robusta, que tem recursos humanos maravilhosos. Eu acho que
será uma potência de inovação, no futuro.
O senhor diria que o país subiu alguns degraus,
pelo menos em propriedade intelectual, que é também parte disso?
Absolutamente.
O que nós vimos nos últimos três anos foi o Brasil se mover para abraçar
conscientemente a propriedade intelectual, como um mecanismo para equilibrar os
interesses concorrentes relativos à inovação. Propriedade intelectual não é a
favor de certos interesses ou de outros. É um método para conciliar interesses.
Conciliar para assegurar, por um lado, investimentos adequados em pesquisa e
desenvolvimento e uma remuneração para a produção que sai dessa pesquisa. Por
outro lado, para assegurar que o benefício social da inovação seja
compartilhado. O Brasil está abraçando esse mecanismo e partindo para se
engajar nele.
De maneira mais geral, o senhor concorda com a
afirmação de que o Brasil, hoje, é mais criativo do que inovador?
O Brasil é
um líder mundial na indústria da criação. Em música, em performance, em arte, é
claramente um líder e é reconhecido assim ao redor do mundo. Tem uma longa
história. Mas eu diria que a inovação baseada em ciência também está vindo para
o Brasil, no futuro.
Por: Nelson de Sá
Fonte: Folha de
São Paulo
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